
OS INCOMPREENDIDOS (França, 1959) – Não tem como começar a falar de Os Incompreendidos sem citar sua cena inicial, que percorre as ruas centrais de Paris com a câmera sempre apontada para a Torre Eiffel. Uma das maiores demonstrações de amor à França já realizada pelo cinema.
Da mesma forma, temos que reconhecer os benefícios que a projeção digital traz aos filmes, principalmente os antigos. Os Incompreendidos, de François Truffaut filmado em 1959, ganha uma versão restaurada no novo formato, que realça ainda mais toda a beleza de sua fotografia em preto-e-branco.
Para sua época, Os Incompreendidos traz uma família extremamente moderna. A figura materna que cabe a atriz Claire Maurier (O Fabuloso Destino de Amélie Poulain e Minhas Tardes com Margueritte) é extremamente independente, trabalhando fora para auxiliar no sustento da casa juntamente com o pai. O filho, Antoine (Jean-Pierre Léaud, Beijos Proibidos e Masculino-Feminino), também tem uma educação diferenciada e igualmente independente pois está ciente de seus afazeres domésticos e escolares.
A educação, no entanto, não acompanha a mesma modernidade do círculo familiar. Escolas separadas por sexo e professores severos com seus sistemas primitivos de punição aos alunos irrequietos. Um ambiente não recomendável para Antoine que (assim como a maioria das crianças na sua idade) gostava de desafiar as regras.
De lá para cá pouca coisa mudou na vida dos alunos (pré)adolescentes. O que mudou radicalmente, sim, foram os motivos que levavam os estudantes a burlar as aulas. As contravenções eram baseadas no compartilhamento de calendários de borracharia (e suas mulheres semi-nuas) ou os cinemas de rua da época ou, ainda, uma versão inicial do que seria hoje os parques de diversão. Tudo para, em seguida, a ausência do dia anterior ser justificada pela morte de algum membro familiar.
Nada que o protagonista temesse, nem mesmo a ameaça de ser transferido para um internato militar (muito mais severo que a sociedade externa em que vivia), o que fatalmente ocorreria. Sinal de que a rebeldia juvenil não é nenhuma novidade e nem um comportamento recente, como já dizia Elis Regina: ”vivemos como nossos pais”.
NOTA: 5/5
LULU, NUA E CRUA (França, 2013) – Lucie (Karin Viard, Delicatessen e Políssia), mas pode chamar de Lulu, é uma mulher casada e com filhos que vive a crise da meia idade, não satisfeita com os rumos que sua vida tomou. Grande parte da responsabilidade por esses infortúnios é gerada pelo seu marido, um cara extremamente desrespeitoso com ela. Nem é preciso conhecê-lo para sabermos disso, uma simples ligação e a rispidez de sua voz já nos é suficiente.
Lulu demorou muito para lidar com toda essa situação até que decide, em certo ponto de sua vida, procurar um novo emprego longe de sua cidade. Nem há necessidade de mencionar a total ausência de apoio por parte da família. A desilusão dela é tanta que chega a entrar no banheiro masculino sem perceber.
Acostumada a ser submissa e desvalorizada a todo instante como pessoa, os percalços enfrentados quando decide dar uma guinada em sua vida não a incomodam nem um pouco. Com muita naturalidade que Lulu perde o seu trem de volta, não se aborrece quando tem o cartão do banco retido pelo caixa eletrônico e não tem dinheiro nem para se hospedar e muito menos para comer. Nada a abala.
Ela, porém, não enfrentará essas mudanças sozinhas. Outras pessoas a auxiliarão a se reencontrar consigo mesma e assim tornar-se alguém com mais amor próprio. Inclui-se aí Charles (Bouli Lanners, Ferrugem e Osso, A Grande Volta e Uma Juíza sem Juízo), exemplo clássico de praticidade e simplicidade (vide a cena do celular na praia) e seus dois irmão desajustados; Marthe (Claude Gensac, Ela Vai e 22 Balas), uma senhora cheia de energia apesar da idade, que ensinará que nunca é tarde para recomeçar; e reconhecerá aspectos muito semelhantes de sua vida em uma garçonete que é ridicularizada pela dona do restaurante em que trabalha.
Misturando a dramédia com situações típicas de obras de auto-ajuda, Lulu, Nua e Crua tem lá a sua mensagem positiva, mas sofre um pouco com o ritmo da narrativa, não ultrapassando a linha limite dos filmes razoáveis, aceitáveis, mas que rapidamente cairão no esquecimento.
NOTA: 3/5
UM BELO DOMINGO (França, 2013) – Já presente em nosso terceiro festival Varilux, é interessante observar o modo como o olhar contemporâneo do cinema francês recai sobre as questões contemporâneas da sociedade atual. Um tema bastante recorrente na cinematografia francófona retratando pessoas e/ou famílias em busca de seus sonhos. Um Belo Domingo é mais um excelente dessa constatação.
Baptiste (Pierre Rochefort, Adeus Minha Rainha e O Sequestro de um Heroi) desempenha sua função de professor substituto (naquele que seria o nosso ensino fundamental) com certa satisfação, lidando com muita facilidade com seus alunos. Nada fora do usual até que as aulas de sexta-feira acabem.
O jovem professor percebe que um de seus alunos, Mathias (o novato Mathias Brezot), ainda se encontra na porta da escola muito tempo depois de todos já terem ido embora. Baptiste, então, oferece uma carona até a casa do menino onde encontra o pai bon vivant, mais preocupado com seu carro luxuoso, com a beldade de sua namorada e na viagem deles para Mônaco do que com aquele fardo que acabara de chegar, também conhecido como ‘seu filho’. Ciente da situação constrangedora que se encontra e não visualizando nenhuma alternativa, Baptiste se voluntaria (mais uma vez) a ficar com o garoto durante o final de semana.
Assim, Mathias tem a oportunidade de viajar com o professor (em uma sugestão sua) para o litoral, local onde sua mãe, Sandra (Louise Bourgoin, Um Evento Feliz e A Religiosa), trabalha num quiosque de requinte à beira-mar. Conhecendo-a, Baptiste entra em mais um novo conflito, já que Sandra vem sendo cobrada constantemente de um empréstimo que fez recentemente.
Numa sucessão de problemas a serem resolvidos (algo também bastante comum no cinema da França), Baptiste terá que desenterrar o seu passado para conseguir auxiliá-la. Um passado que não queria desenterrar tão cedo.
NOTA: 5/5
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