FILME VISTO DURANTE A 1ª SEMANA TUPINIQUIM CINEFLIX
Uma multidão lá embaixo; muitos pedestres e o som conjunto de todas as suas vozes chegam ao mesmo tempo até a sacada do apartamento. O pátio de manobras do metrô em Belo Horizonte. Uma simetria ocorre na tela com um trilho em meio a duas composições de trens prontos para entrarem em operação. Em duas cenas iniciais, a direção conjunta de Marcelo Gomes (de Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo e Cinema, Aspirinas e Urubus) e Cao Guimarães (diretor em Rua de Mão Dupla e editor em A Festa da Menina Morta) resume rapidamente a vida do homem das multidões. Uma tarefa fácil porque não há muito que se falar dele.
Maquinista na capital de Minas Gerais – uma profissão por si só reclusa -, Juvenal (o novato Paulo André) tem uma vida inacreditavelmente solitária e monótona que se resume ao trabalho, ao vagar pela população sem rumo e à sua casa. No meio da multidão belo-horizontina, nem se pode dizer que ele esteja inserido, tamanha a sua invisibilidade. Nas calçadas e logradouros públicos ele está presente e ao mesmo tempo ausente. Ele sobe e desce as escadas rolantes das estações sem ser notado. Observar a operação noturna dos trens em BH é um estranho passatempo e o máximo de interação que consegue ter com os seres humanos que o cercam é o esboçar um sorriso a partir de uma gargalhada alheia.
Impossível que o convívio mútuo entre funcionários gerado pelo ambiente de trabalho não o fizesse criar um vínculo de amizade sequer. Assim, proveniente de uma iniciativa maior dela, Juvenal conhece a sua versão feminina interpretada por Sílvia Lourenço (de Bicho de Sete Cabeças e O Cheiro do Ralo). Margo só não possui o mesmo nível de isolamento crônico dele por manter contatos virtuais pela internet. Frios, mais ainda assim contatos. Até seu noivado é fruto de acessos a sites de relacionamento. Mas a inabilidade nata com o contato humano, com a conversa tête-à-tête é igual para os dois.
A dinâmica na amizade entre eles é peculiar, pois ambos têm a dualidade ausente-presente muito forte. Um está ao lado do outro, mas não há tato algum; as palavras no que, na prática, seria uma conversa são raríssimas. Tantas coisas em similaridade que acabou resultando nessa “amizade”, capaz de convencê-lo do improvável e tornar Juvenal padrinho de casamento dela. A maior aventura da vida dele foi ter dormido uma vez na cabine de maquinista, disparando o sistema de segurança do trem.
Assim, a história dos dois é mostrada e contada, mesmo que ela não vá para lugar algum e nem apresente nada de extraordinário. Nada se modifica e tudo permanece o mesmo. Muitas vezes até a câmera, imóvel e observadora, parece não reconhecer os personagens principais, onde o foco aponta para uma direção qualquer e de vez em quando temos a sorte (ou azar) de vê-los no enquadramento. Com um modo de viver tão limitado e sem ambições, O Homem das Multidões ainda impõe limites ainda maiores ao adotar o incomum aspecto de vídeo 1×1: um buraco quadrado na tela do cinema.
A vida cotidiana natural e crua, em sua absoluta maioria, não apresenta nada de extraordinário que possa render uma história adaptável para o cinema. Mas, por outro lado, esse mesmo cinema não pode (e nem deve) se limitar a essa ou àquela história, afinal é sua liberdade criativa e inventiva (como o citado aspecto de vídeo) que o torna tão fascinante.
O Homem das Multidões possibilita questionamentos sim, ainda mais se tratando de algo que, se ainda não o é, virá a ser uma tendência a partir do crescente número de pessoas morando sozinhas e adotando o estilo solteiro de se viver. Mas torço para que essa preferência signifique uma vivência dinâmica, efervescente e pulsante, dada a sua liberdade, e não em algo mecânico, vazio e óbvio como o retratado aqui. É esse sentimento agridoce que o longa nos acomete. Levanta questões de grande interesse filosófico inerente ao homem e à sociedade atual. Mas em determinados essas divagações passam a extrapolar o limite da sala de cinema e aí temos que redobrar a nossa atenção e voltar o foco para a projeção. Se o filme deixa isso ocorrer alguma coisa está errada nele e aí opto pela visão daqueles que sempre consideram o copo meio vazio.
NOTA: 2/5