FILME VISTO DURANTE A 1ª SEMANA TUPINIQUIM CINEFLIX
Uma investigação sobre o rapto de uma garotinha na creche aponta que há motivações bem mais graves por trás do sequestro. As revelações ocorrem a partir de depoimentos dos envolvidos frente ao delegado vivido por Juliano Cazarré (dos filmes Serra Pelada e A Febre do Rato). De forma incisiva e até bruta, ele consegue maiores detalhes dos depoentes. A sua experiência no cargo lhe ensinou a não ignorar nenhuma vertente de possibilidades, por mais que aqueles sentados a sua frente possam estranhar os seus questionamentos.
Sylvia (Fabíula Nascimento, Não Pare na Pista: A Melhor História de Paulo Coelho e Estação Liberdade) aparece com uma queixa na delegacia contra a responsável pela creche de sua filha, já que a criança foi entregue a uma desconhecida após uma falsa ligação em nome dela alegando mal-estar e, portanto, não poderia buscar a criança na escola. Com a chegada do pai, Bernardo (Milhem Cortaz, dos dois Tropa de Elite e Amanhã Nunca Mais), e a perspicácia do delegado, logo se sabe a existência de uma amante. Assim, todas as suspeitas recaem sobre Maria Rosa (a atriz Leandra Leal, de Cazuza: O Tempo não Pára e Zuzu Angel), mulher que mantem um relacionamento extraconjugal de mais de um ano com o pai da criança desaparecida.
Flashblacks complementam os testemunhos, momentos em que o roteiro de Fernando Coimbra (e que também dirige o seu primeiro longa-metragem), usa para mostrar o ponto de vista de cada personagem e, dessa forma, consegue mesclar sequências de intensa carga emocional com outras cenas mais tranquilas, mais íntimas. Para um thriller policial, o filme conta com algumas passagens com ritmo que destoa do restante da narrativa, sem afetar dessa forma o nosso interesse pela trama. Observe uma das inúmeras interações entre Bernardo e Rosa, onde em certo momento os dois conversam lenta e pausadamente com uma grade de janela separando eles da câmera. Poucos filmes do mesmo gênero apostariam em uma cena tão extensa como essa.
Sem dúvida isso é fruto do talento de seus atores. Com um dos melhores atores do cinema brasileiro em atividade, Milhem Cortaz, que demonstra perfeitamente todo o cinismo e cafajestismo de Bernardo – preocupado apenas em satisfazer seu desejo sexual – e mais Leandra Leal, que juntos em cena, transbordam uma sensualidade intensa. A atriz, por sua vez, transita muito bem pelos três perfis que compõe a sua personagem: além do de amante, ainda se faz de dissimulada para a esposa de Bernardo, frequentando sua casa como se fosse uma distante conhecida de muito tempo do casal e o de vilã, escondida atrás de suas expressões dóceis.
As ações dos dois que levam às drásticas ocorrências que O Lobo Atrás da Porta reserva em seu desfecho: Bernardo, tentando esconder a todo custo o seu relacionamento extraconjugal, opta por artifícios bárbaros ao forçar um aborto em Rosa e por um fim na relação, o que a leva ir até as últimas consequências. O problema é que ele nunca desconfiou (ou nunca acreditou) das tendências psicopatas dela. Psicopatia que não estabelece limites para o quê pode ou não ser feito para se vingar do término do caso amoroso e da crueldade a que ela foi submetida. Ao não querer falar mais do assunto, nem se arrepender do que fez e muito menos exigir o perdão de quem quer seja, define muito bem o lado vingativo, frio e calculista de Rosa.
O Lobo Atrás da Porta é um eficiente quebra-cabeças que vai sendo montado aos poucos e consegue camuflar os seus mistérios e apontar, propositadamente, para a direção errada (e nesse caminho conta com a participação especial da surpreendente e explosiva Thalita Carauta) sem se perder do fio condutor principal do drama. Uma experiência gratificante acompanhar o seu desenrolar e ver uma bem-sucedida diversificação (de gênero, temática e montagem) do cinema nacional que consegue extrair uma ótima história de um triângulo amoroso e de todas as suas mentiras e dissimulações. Uma promissora entrada de Fernando Coimbra no cenário de longas metragens brasileiros.
NOTA: 5/5