ANÁLISE: Ela

26 02 2014

Pode-se afirmar que Ela se passa num futuro não muito distante onde a presença da tecnologia será ainda maior que nos dias atuais. Mas esqueça botões e cliques. Até o modo touch – tão em voga hoje – será pouco utilizado. Todo contato homem-máquina será feita através de comando de voz. Em vez de vários equipamentos e gadgets, teremos um aparelho central sincronizando o computador pessoal em casa com o nosso protótipo de celular fora dela.

Conhecemos parte desse mundo acompanhando a rotina do solitário Theodore (Joaquin Phoenix, O Mestre e Johnny & June) que trabalha ‘redigindo’ cartas para terceiros. Como dito anteriormente, nada de teclas e nem canetas, Theodore dita o texto e o computador trata de escreve-lo, ou melhor, digita-lo. No caminho de casa, ele vai recebendo informações sobre e-mails recebidos recentemente ou notícias gerais pelo fone de ouvido, assim como troca as músicas que quer ouvir sem utilizar um único dedo. Em casa, o videogame é um belo exemplo de imersão, onde o ambiente gráfico do jogo se funde com o espaço de sua sala de estar.

Parece ser um mundo perfeito e bastante divertido, não? Parece, mas não é. Não para Theodore, que cumpre todas as suas obrigações no chamado piloto automático e não demonstra alegria em momento algum. Optar por ouvir músicas melancólicas também é um bom indício de que algo não esteja bem.

Numa certa manhã, como qualquer outra, Theodore é convidado a instalar uma atualização do sistema operacional em seu computador. A nova versão do software é um novo modelo baseado na inteligência artificial, que faria muito mais do que ler os caracteres na tela. Seria capaz de interagir com seu ‘dono’, elevando a um patamar impensável o relacionamento entre  o homem e seu computador.

Não poderia haver nada melhor para Theodore nesse momento por qual ele passava. Se dias atrás ele se encontrava solitário, agora tinha a presença quase onipresente da voz de Scarlett Johansson (Encontros e Desencontros e Os Vingadores) o auxiliando no dia-a-dia: na redação de sua cartas como corretora e aperfeiçoadora de textos, nas pequenas escolhas corriqueiras, nos relacionamentos com outras pessoas. Tudo a partir de uma habilidade descomunal de processamento de dados que consegue, por exemplo, escolher o seu próprio ‘nome’ acessando uma lista com mais de 180 mil possibilidades em frações de segundo. Algo impossível para qualquer humano.

Nesse relacionamento improvável que começa a ser construído descobrimos o que tanto afligia Theodore: a sua recente separação com a ex-mulher Catherine (a irreconhecível Rooney Mara, se você a conhece apenas a partir de Millenium: O Homem que Amava as Mulheres). Um casamento que tinha tudo para dar certo se não fosse a extrema dificuldade dele no relacionamento com outras pessoas. Joaquin Phoenix consegue transmitir bem esses traços de seu personagem que não cede de seu egoísmo e de seus modos e acaba sufocando, anulando a sua ex-parceira na relação. Catherine não suportou a insegurança dele percebendo que o modo seco de agir do, até então, marido não deixaria o casamento prosperar.

Ao mesmo tempo em que conhecemos esse lado pouco amistoso de Theodore, também não deixamos de verificar a sua fragilidade como ser humano, criando-se assim uma empatia muito grande com o personagem que em nenhum momento põe maldade em suas intenções com Catherine ou qualquer outra pessoa. Os flashbacks dos momentos felizes do casamento do redator de cartas solitário mostram o quanto esse sofre (na realidade ambos sofrem) com a separação. Se naturalmente Theodore já apresenta muita dificuldade em lidar com as pessoas, dolorido por dentro e sentindo saudades de Catherine, a situação só tende a piorar. E não há auxílio que Samantha possa oferecer (o sistema computacional até tenta) que resolva isso.

O novo sistema operacional a partir de Samantha torna-se então perfeito para Theodore eliminando a característica com a qual ele não consegue lidar numa relação a dois: o fator humano. Assim, a premissa absurda de Ela à primeira vista, torna-se totalmente plausível com o desenrolar da trama e o diretor e roteirista Spike Jonze (diretor do lindo Onde Vivem os Monstros e Quero Ser John Malkovich) acerta ao colocar os dois lado da moeda na história, criando ainda mais verossimilhança a história: a amiga Amy (Amy Adams, Trapaça e O Homem de Aço) não só compreende Theodore como também cria laços afetivos e com um sistema operacional de outrem, enquanto Catherine e demais amigos veem essa relação como uma grande maluquice.

O filme Ela fascina não apenas pelo desenvolvimento de personagem que oferece – e conta com a competência de Joaquin Phoenix para tanto -, mas também pela construção crível de um mundo com as tais características descritas aqui e pensando em todas as possibilidades que elas poderiam criar. O desfecho é igualmente satisfatório, afinal aquilo que falta em Theodore e que Samantha (e os demais sistemas operacionais) possuem em excesso impedem (felizmente ou não?) um futuro baseado em ‘casamento’ de homens e mulheres com seus computadores: o amadurecimento dele e a evolução desenfreada dela. Questionamentos que perduram após a sessão e fantásticos são os filmes que provocam isso em seus espectadores.

NOTA: 5/5





ANÁLISE: Trapaça

17 02 2014

A cena de abertura de Trapaça explica muito bem porque Irving Rosenfeld (Christian Bale, trilogia O Cavaleiro das Trevas e O Vencedor) obteve tanto sucesso em seu ramo de atividade, a aplicação de golpes financeiros. Profissionalmente, ele tem a mesma paciência e a mesma preocupação com os mínimos detalhes que utiliza para esconder sua calvície.

Com a capacidade de enganar as pessoas desde criança, época em que quebrava vitrines alheias propositalmente para ajudar a vidraçaria de seu pai, Irving vê nas falcatruas que aplica uma pura questão de sobrevivência, onde simplesmente não tem ou não consegue obter outro modo de viver. Ciente da importância dessa discrição, ele sabiamente mantem sua esposa Rosalyn Rosenfeld (Jennifer Lawrence, da franquia Jogos Vorazes e de Inverno da Alma), pois seu comportamento bipolar e seu temperamento explosivo colocaria tudo a perder.

A parceira ideal para o mundo da trapaça Irving encontra em Sydney Prosser (Amy Adams, O Homem de Aço e Encantada), uma mulher sedutora que utiliza todo o seu charme para atrair cada vez mais clientes desesperados. Um charme que, aliado ao seu forjado sotaque britânico, atribuía um aspecto multinacional e legítimo à parceria desenvolvida por eles, resultando num aumento das cifras obtidas no final do ‘expediente’.

O círculo da trama apresentada por David O. Russell (que já trabalhou com boa parte do elenco deste longa em seus projetos anteriores como O Vencedor e O Lado Bom da Vida) se encerra com a participação de Bradley Cooper (Se Beber Não Case e O Lugar onde Tudo Termina) no papel de Richie DiMaso, o agente do FBI responsável por prender Irving e Sydney em flagrante. Ao invés de condená-los, Richie quer a cooperação do casal golpista na aplicação de mais quatro armações afim de pegar o maior número possível de estelionatários, incluindo aí políticos e grandes nomes da máfia americana envolvida nos jogos existentes na costa oeste americana.

Obcecado por um resultado vultuoso de sua operação, o que lhe garantiria um lugar de destaque dentro do FBI e não apenas um mero cargo administrativo dentro da agência, Richie não poupa e nem energia para que os corruptos venham a tona. Assim temos a sequência que abre o filme com o trio – Irving, Sydney e Richie – em uma reunião com o prefeito Carlito Polito (Jeremy Renner, Os Vingadores e Guerra ao Terror), onde tentam se utilizar da reconstrução de Nova Jersey para uma arrecadação irregular de milhões de dólares.

Se antes era previsto apenas o envolvimento de personagens de prestígio da política americana (senadores e congressistas), a aproximação exagerada com a máfia americana dos jogos de azar acaba exigindo passos mais elaborados e caro (com o aluguel de jato executivo e andares inteiros de hotéis luxuosos) do FBI, algo que Richie consegue a duras penas e com muita, literalmente, luta. Mas nem toda essa sofisticação foi capaz de enganar o ‘poderoso chefão’ dos jogos, o senhor Victor Tellegio (Robert De Niro, Os Bons Companheiros e Última Viagem a Vegas), que astuto e desconfiado, descobre a farsa do árabe mexicano. E como o próprio personagem de Bale afirma, essa descoberta os colocam em algo muito pior que a cadeia.

Trapaça cria um mergulho incrível do espectador na década de 70. Imersão que se inicia já com a exibição retrô do logo da Columbia, passa pela cena mais clichê possível dentro de uma danceteria com os passinhos à la John Travolta e chega ao figurino, que uso de decotes abusivos, tanto femininos quanto masculinos, e que se encaixam perfeitamente nas belas silhuetas de Amy Adams e Jennifer Lawrence.

Jennifer, aliás, que faz jus a sua indicação ao Oscar ao incorporar toda a explosão temperamental de Rosalyn, uma mulher que acredita piamente ser a responsável pela resolução de toda a trama, sendo que o máximo que conseguiu foi deixar ela, o filho e Irving jurados de morte. Mas o seu talento não para por aí e são memoráveis as cenas de humor por ela protagonizadas, principalmente na hora de manusear um ‘forno científico’ que “tira nutrientes da comida e ainda ateia fogo na casa”; o embate com Amy Adams no banheiro feminino ou todas as tentativas de atrair a atenção de todos, negativamente, nas confraternizações que o marido frequenta. Nesses momentos entendemos o porquê de Irving mantê-la afastada de tudo.

Com toda essa investigação, Richie equivocou-se em apenas uma atitude: a de confiar plenamente em Irving. O personagem de Christian Bale não se sentia nem um pouco a vontade de, lentamente, ir delatando seus companheiros para o FBI, principalmente o prefeito de Nova Jersey, quem considerava muito. E ser jurado de morte foi a gota d’água. Como bom trapaceiro que sempre foi e sem a possibilidade de voltar ao passado depois de tudo que fez, Irving trabalha sorrateiramente para amenizar tudo aquilo que causou, direcionando os passos da investigação para aquele que menos culpa teve: o cabeça por trás da operação, Richie. Um desfecho que ocorre abrupto demais.

Observa-se em Trapaça uma excelente escolha para uma sessão dupla com O Lobo de Wall Street, que abordam dois temas praticamente idênticos (golpes financeiros), mas trazem protagonistas de perfis complemente diferentes: aqui David O. Russel vem com um Christian Bale comedido e pés no chão, enquanto Martin Scorsese nos traz um excêntrico Leonardo DiCaprio. Ambos longas trazem coadjuvantes competentes, embora estes adquiram um valor narrativo bem maior do que o observado em O Lobo de Wall Street, até mesmo por estarem em menor quantidade e pela menor ambientação geográfica da história de Trapaça, onde a interação com a história principal é maior. Se em 2013 tivemos um insosso O Labo Bom da Vida, 2014 temos razões melhores para torcer pelo filme de David O. Russell no Oscar.

NOTA: 4/5

 





Superman e Batman juntos, só em 2016!

18 01 2014

A Warner Bros alterou o início da produção do novo filme de Superman (Superman vs Batman) para meados de maio/junho desse ano e o lançamento do blockbuster foi espichado para 06 de maio de 2016. A data de estreia anteriormente prevista para ele (17/07/2015), agora será destinada ao filme Pan, baseado na obra original de Peter Pan, com Joe Wright na direção e, por enquanto, só com Hugh Jackman confirmado no elenco.

superman-batman-logo

Com a decisão, Superman vs Batman esvazia um calendário de 2015 recheado de grandes estreias, entre elas: o reboot de Quarteto Fantástico, Os Vingadores 2: A Era de Ultron, Terminator: Genesis, Independence Day 2, Jogos Vorazes: Esperança – Parte 2 e Star Wars: Episódio VII. De acordo com a Variety, a opção pelo adiamento ocorreu para que os produtores pudessem realizar completamente a visão complexa que possuem para o longa.

Quem está sob pressão após esse reagendamento de datas é o tão criticado Ben Affleck (cujo Argo venceu o Oscar de melhor filme no ano passado). O ator só estará disponível no final deste ano para dirigir Live by Night, que já tem data de estreia marcada para o Natal de 2015.

Superman vs Batman trará novamente o grande elenco que esteve presente em O Homem de Aço: além de Henry Cavill que vive o protagonista, retornam também Laurence Fishburne, Amy Adams e Diane Lane.

EDIT 26/01/2014 – A razão para a mudança da estreia em um ano tem um nome: Ben Affleck. Pois é grande a probabilidade do ator não vestir o uniforme negro do homem-morcego.

Tudo isso em grande parte pela recepção negativa dos fãs com o anúncio de Affleck como Batman. Por isso, além da alteração da data de estreia, possivelmente haverá no futuro um ‘desentendimento criativo’ entre o ator e o diretor Zack Snyder.

Toda uma desculpa para diminuir a importância dos fãs nessas alterações e nem deixar transparecer que um grande estúdio como a Warner Bros deixe-se influenciar tão fácil assim!





ANÁLISE: O Vencedor

20 02 2011

Nem sempre o apoio da família é o melhor caminho para o sucesso. Essa é a lição que Micky Ward (Mark Wahlberg, de Um Olhar do Paraíso e Os Inflitrados) aprende durante a difícil fase inicial de sua carreira como lutador de boxe.

Seu treinamento tem a ajuda inconstante de seu meio-irmão, Dick Eklund (Christian Bale, da franquia Batman e Inimigos Públicos), ex-lutador que teve sua chance de fazer história no esporte, mas a perdeu devido ao seu vício no crack e a sua mãe, Alice Ward (a polêmica do Oscar 2011 Melissa Leo, de 21 Gramas e da série Treme) como ‘agenciadora’ de lutas, sua empresária.

A grande dificuldade que Micky encontra nessa fase, já que perde todas as suas lutas e apanha muito de seus oponentes, deve-se ao fato de sua família estar mais preocupada em receber o dinheiro ganho com as partidas do que qualquer outra coisa. Em qualquer oportunidade que aparecer colocam Micky no ringue sem preocupação alguma.

Após uma derrota acachapante em uma luta arranjada de última hora, Micky acaba desistindo da carreira e tornando-se uma vergonha pública em sua cidade natal. Mesmo com tantos resultados negativos, há gente disposta a investir e acreditar no talento dele, mas a influência da família o faz não aceitar esse tipo de proposta. Se era o que realmente faltava, Dick se propõe a financiar o treinamento do irmão nem que precisasse roubar para isso.

Nesse meio tempo, Micky começa um relacionamento com Charlene Fleming (a ruiva Amy Adams, de Encantada e Prenda-me se for Capaz). Indiferente aos resultados da luta do rapaz, a garota cobra uma promessa dele, feita antes da última luta, de sair com ela, mesmo com o rosto todo machucado e cheio de curativos.

A guinada na história ocorre depois dos dois irmãos serem espancados e presos pela polícia da cidade. Fugindo dos policiais após ser pego em flagrante aplicando golpes para arrecadar dinheiro para investir no treino do irmão, Dick tenta se esconder em um bar onde sua família estava reunida, mas é impedido pelos seguranças do local. Micky, informado sobre o que acontece do lado de fora com seu irmão, sai do bar para tirar satisfações, mas também acaba sendo agredido. Resultado: após julgamento Micky é libertado com a mão direita fraturada e Dick vai para a cadeia.

Sem a presença do irmão, Micky vai aos poucos retomando sua carreira no boxe. Com auxílio de um senhor colega policial e com o investimento de um empresário local, ele volta aos ringues e consegue bons resultados. Claro que tudo isso com uma única condição: sem interferência da família.

Essa condição foi facilmente respeitada enquanto Dick encontrava-se preso. A partir do momento em que ele foi solto e embora ele não fosse o melhor apoio e o melhor para um esportista, o sentimento fraterno de Micky falou mais alto e acabou aceitando o retorno de Dick à academia de treinamento, desagradando sua namorada, o novo treiandor e o empresário. Tudo isso às vésperas de mais importante luta de sua carreira: a disputa pelo título mundial da categoria pesos-médio.

Esse novo conflito nos bastidores da carreira de Micky e próximo de uma luta tão importante é resolvido pela pessoa que menos esperávamos que fosse amenizar uma situação como essa: o próprio irmão dele. Dick, num lampejo de raro de consciência, corre atrás de cada daqueles que desistiram de apoiar o seu irmão por sua causa e os convence a voltar a torcer pelo seu irmão e aceitar a sua presença e o da família no ringue junto com Micky.

O Vencedor assim desenrola-se para o seu ato final e a conquista do título mundial por Micky. Falho nos momentos iniciais, em grande parte pela dificuldade de inserir paralelamente a história principal, a produção de um documentário sobre o ‘retorno de Dick Eklund aos ringues’ e que, na hora de exibição pela TV, tratava-se de outra coisa completamente diferente. E válido apenas até a metade da exibição, engessa um pouco o início do longa, divergindo do principal que é a história de superação de Micky. Quando O Vencedor passa a se focar somente na trajetória dele, o longa melhora sensivelmente.

Nas atuações, o filme tem o talento acima da média do quase irreconhecível Christian Bale, que vive Dick de uma forma muito intensa e espetacular ao se expressar, com tiques e tudo, como um viciado em crack. Mark Wahlberg tem um trabalho apagado aqui, uma atuação monótona, mas boa suficiente justamente por seu papel de Micky Ward não exigir muita energia, dando a sensação que ele é realmente assim apagado. E Melissa Leo, polêmica do Oscar 2011 por se auto-propagandear para a sua indicação de melhor atriz coadjuvante, interpreta a mãe deles (uma mulher com a incrível capacidade de gerar mulheres feias. Quanta filha baranga!) fazendo um bom trabalho, mas não tão bom o suficiente para ser reconhecido com uma premiação.

NOTA: 4/5








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Ex-Secretário de Estado da Educação e Ex-Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Atual Presidente e Imortal da Academia Paulista de Letras. Membro da Academia Brasileira de Educação. É o Reitor da UniRegistral. Palestrante e conferencista. Professor Universitário. Autor de dezenas de Livros: “Ética da Magistratura”, “A Rebelião da Toga”, “Ética Ambiental”, entre outros títulos.

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